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Manuel Heitor awarded the Tiradentes Medal 08/06/2022


Foto:Thiago Lontra

The Legislative Assembly of the State of Rio de Janeiro (Alerj) delivered this Wednesday (June 8), the Tiradentes Medal, the highest honor granted by the House, to Professor Manuel Heitor.
The ceremony took place during the morning, in the plenary of the State Legislature. The commendation was proposed by the president of Alerj, deputy André Ceciliano.
In his speech, Manuel Heitor highlighted the need to always keep learning, to value diversity and find way to work together and find common ground, as a way of facing the great uncertainties and unique challenges the world faces.
The full text of Manuel Heitor’s speech is available below and can be downloaded here.

Fotos:Thiago Lontra


 

Você, as suas escolhas e os outros[1]

Um apelo à juventude

 

Manuel Heitor

Intervenção proferida na ALERJ - Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro,

a 8 de junho de 2022, quando da outorga da Medalha Tiradentes

 

Quero começar esta breve intervenção por agradecer reconhecidamente a toda a Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro, ALERJ, por esta distinção que agora me é atribuída. Em particular ao deputado André Ceciliano, Presidente da Assembleia, por ter tomado esta iniciativa, mas também ao Fórum Permanente de Desenvolvimento Estratégico do Estado do Rio de Janeiro, FORUM ALERJ, pela sua mobilização.

Mas a minha presença hoje aqui e esta distinção deve-se sobretudo a muitas e muitos cariocas, muitas amigas e muitos amigos com quem ao longo das ultimas décadas partilhei ideias, ambições e amarguras, mas sempre a alegria e a vontade de fazer mais e melhor, com mais ciência e melhor conhecimento, valorizando sempre a “Agência Humana”. O estimulo à criatividade e à inovação foi sempre o que me atraiu ao Rio e não posso deixar de referir todas aquelas e aqueles que na UFRJ, no Parque Tecnológico da UFRJ, no Instituto de Economia, na COPPE, no CBAE, na Fundação FioCruz, ou na REDES da Maré, me acolheram e estimularam discussões sobre o futuro.

Foi aqui que encontrei personalidades impares da ciência e da cultura internacional, como Ana Célia Castro, Maurício Guedes, José Cassiolato, Helena Lastres, João Carlos Ferraz, Leonardo Melo, Denise Pires de Carvalho,  Nísia Lima, Paulo Gadella, Eliana Sousa Silva, José Manoel de Mello, entre muitos outros. Foi aqui, com eles, que lançámos e participámos ativamente em iniciativas da maior relevância internacional, como a rede internacional e inovação Globelics, redes internacionais de parques de ciência e tecnologia, o Centro Internacional de Investigação do Atlântico – AIR centre, o Laboratório Colaborativo em Tecnologias da Saúde, ou iniciativas de popularização da ciência, como a iniciativa “Ciência Viva”.

Como referiu o artista Lasar Seggal, que viria a escolher o Rio de Janeiro para viver e trabalhar, “[...] sinto aqui que todas as coisas parecem mais leves e mais altas. Eleva-nos da Terra.  Ensina a alegria. [...]“

Mas acredito que a principal razão para esta distinção que agora a ALERJ me confere reside no facto de sempre me ter comportado como “estudante”, como “aprendiz”, também aqui no Rio de Janeiro, sobretudo a aprender com a alegria e a cultura carioca. Sempre considerei o Rio como um “Laboratório Vivo”, um atelier de “Ciência Viva”! E, como tal, sempre procurei estar próximo dos melhores e aprender em conjunto.

Ainda esta semana, na Favela da Maré, com a REDES da Maré e com a Eliana  Sousa e suas colaboradoras e colaboradores, tive a oportunidade única de aprender a ser mais humilde e compreender a necessidade de aprendermos mais uns com os outros.

Relembrando Paulo Freire, “Ninguém educa ninguém, ninguém educa a si mesmo, os homens se educam entre si, mediatizados pelo mundo”.

 

E também por isso, temos de promover e valorizar a diversidade na representação política, designadamente por mulheres jovens e origem popular, como são os exemplos da Vereadora Marielle Franco (in memorian); da vereadora eleita pela cidade do Rio de Janeiro, Mônica Benício; e da Deputada Estadual Renata Souza, todas oriundas da Favela da Maré e conhecidas internacionalmente como representantes do Rio de Janeiro na defesa da condição humana.

 

Como escreveu a Eliana Sousa no seu livro “Testemunhos da Maré”, “[...]  acredito que, verdadeiramente, a vida vale muito a pena e que podemos construí-la como desejamos, que podemos dar sempre um novo significado a ela, nos tornando, a cada dia, a cada luta, a cada pequena vitória, mais humanos”. [...]”

 

Dirijo, assim, esta intervenção principalmente para a juventude, sobretudo para as/os estudantes e graduadas/os do ensino superior no Rio de Janeiro, assim como para as mulheres e homens que optam por desenvolver carreiras científicas e académicas.

 

Nasci num ambiente escolar e aprendi muito com os meus pais, com os meus avós e com os meus bisavós - todos educadores e professores. Mas aprendi ainda mais com os meus colegas e muito, muito mais com meus estudantes e com os seus estudantes.

Da minha experiência de mais de 12 anos no governo, aprendi que todos beneficiamos ao garantir que todos os outros tenham direito a novas oportunidades de aprender e pesquisar, por mais isolados ou desfavorecidos que sejam. Aprendi a importância de criar “redes de oportunidades” para todos. Sob essa premissa, devemo-nos orgulhar do reconhecimento internacional que a internacionalização da ciência, do ensino superior e da inovação têm conseguido adquirir.

Portugal é um país europeu de média dimensão, com uma conturbada história colonial, glorificada sob um regime ditatorial durante metade do século XX. Esse regime sobreviveu por tanto tempo reprimindo a liberdade, oprimindo a juventude e mantendo-a subeducada. Mas em março deste ano ultrapassámos um limiar importante: comemorámos com orgulho mais dias vividos em democracia do que os vividos sob ditadura.

Hoje Portugal tem uma das populações jovens europeias mais instruídas e um espírito empreendedor emergente, com uma das maiores concentrações de empresas unicórnios na Europa, sendo hoje uma referência para engenheiros e cientistas, escritores, arquitetos e artistas.

E a melhor recomendação que posso dar a todas as pessoas e, sobretudo, a adultos jovens, com base na minha própria experiência é que tentem sempre trabalhar com as/os melhores e continuem a aprender juntos. Valorizem o que vos torna singular, mas aprendam a trabalhar em conjunto e a encontrar ideias comuns.

Quando terminei há pouco mais de 35 anos os meus estudos pós-graduados no Imperial College de Londres e na Universidade de Califórnia, o futuro parecia bem mais risonho do que hoje. Assistimos nessa altura à queda do Muro de Berlim e ao fim da Guerra Fria, Portugal já era um país totalmente integrado na União Europeia, o Brasil tinha acabado de se libertar da ditadura militar, a internet estava a explodir e as raízes do que hoje chamamos de “web 2.0” estavam a ser lançadas, juntamente com a aceleração da integração dos mercados globais.

Hoje enfrentamos grandes incertezas e desafios únicos - desastre climático, migrações climáticas, pandemia, guerra na Europa, desigualdade, ataque a direitos básicos, mudanças no mercado de trabalho, fake news, governos populistas e reacionários que combatem a ciência e ofuscam a verdade, para referir apenas alguns.

Como escreveu Clarice Lispector, “[...] Esta história acontece em estado de emergência e de calamidade pública. Trata-se de livro inacabado porque lhe falta a resposta. Resposta esta que espero que alguém no mundo me dê. Vós? [...]”

Confio convictamente nas pessoas mais jovens e sobretudo nas/os estudantes e graduadas/os do ensino superior para enfrentar estes desafios e fazer melhor do que a minha geração; isto é, serem capazes de deixar aos vossos próprios filhos um mundo melhor do que aquele que vocês herdaram da minha geração.

Mas lembremos, sempre, Celso Furtado: “[...] O que caracteriza o desenvolvimento é o projeto social subjacente.

... Ora, …não se dá espontaneamente. É fruto da realização de um projeto, expressão de uma vontade política.

 

Permitam-me explorar esta ideia através de três breves mensagens para a juventude.

Primeira Mensagem - Continuem a aprender, sendo ambiciosas/os e inovadoras/es. Mudem o mundo, fazendo uso dos vossos conhecimentos, mas garantindo que todas as outras pessoas sejam também ambiciosas e inovadoras.

Garantam que os vossos pais e os pais dos vossos amigos não entendem o que Vocês estão a fazer!

De facto, o número de jovens adultos que são capazes de dizer “os meus pais não entendem o que eu estou a fazer” no seu trabalho é provavelmente o melhor indicador de progresso em qualquer sociedade. Significa que cada geração inova e tem oportunidades coletivas para fazê-lo.

É um sinal saudável. É um movimento de mudança geracional num ambiente dinâmico e de aprendizagem contínua.

Trabalhem as vossas próprias ideias, invistam nelas, façam e insistam em pesquisa, trocando opiniões com outras pessoas e testando e validando as vossas ideias, até que tenham uma ideia melhor, cientificamente sólida e socialmente adequada.

Insistam, mudem e avancem com propósito.

Tenham propósito!

Mas, como sabem, as melhores ideias exigem muito suor. São o resultado, muitas vezes, de erros acidentais, milhares de outras ideias e muita interação social, para além de um trabalho contínuo de investigação.

Noutras palavras, construam e expandam as vossas redes académicas e científicas e estimulem novas ideias que melhorarão a vida de outras pessoas. E, assim, garantem que todos os outros serão também ambiciosos e inovadores.

Invistam nas gerações futuras e contribuam para a construção de um movimento intergeracional que favoreça a ciência e as ideias baseadas no conhecimento que mudam o mundo.

Aprendam com os erros da minha geração e inovem de forma responsável.

 

Segunda Mensagem - Continuem sempre a aprender, sendo responsáveis, ecologicamente ativos e inclusivos em todas as disciplinas.

Entendam os comportamentos coletivos emergentes[2] e a nossa responsabilidade comum em garantir a vida das gerações futuras numa era que cada vez mais se baseia em redes digitais descentralizadas e inovações crescentemente suportadas por inteligência artificial[3].

A era digital está a atravessar rápidas transformações e expansão à escala global. Com novos modelos de negócios e novos atores, surgem novas relações entre setores institucionais e um amplo leque de atividades empreendedoras.

Ao mesmo tempo, a juventude enfrenta desafios e oportunidades crescentes e a vossa qualidade de vida e futuro sustentável só podem ser garantidos efetivamente por meio de uma nova geração de sistemas tecnológicos centrados nos utilizadores, que garantam que todas as pessoas são parte integrante dos desenvolvimentos futuros.

Concentrem os vossos esforços na necessidade de garantir a neutralidade carbónica, enfrentando de forma eficaz o desastre climático iminente, bem como a nossa segurança global, sendo este o esforço prioritário que deve impulsionar a governança tecnológica na era digital.

Apelo assim para a necessidade de fomentar o “humanismo digital[4], repensando potenciais narrativas tecnocêntricas de progresso e abraçando a incerteza em  que vivemos[5]. Como a cientista social sueca Helga Nowotny alerta, abandonem a fantasia do controlo sobre a natureza e a ilusão do domínio tecnocêntrico de sistemas digitais e inovações suportadas por inteligência artificial[6].

Adotem e valorizem abordagens transdisciplinares para enfrentar e valorizar os nossos comportamentos coletivos, para que todas as pessoas sejam mais responsáveis ??na era digital crescentemente descentralizada que está a emergir.

 

Terceira Mensagem - Continuem sempre a aprender, sendo humanos e solidários: assegurem as vossas escolhas, os vossos corpos, as vossas mentes, com os vossos conhecimentos e o nossentendimento científico comum, garantindo que todos têm mesmas oportunidades para suas próprias escolhas e os seus próprios corpos.

Quem quer que seja, onde quer que viva, tem o direito de fazer as suas próprias escolhas sem medo, violência ou discriminação.

Reconheçam os vossos privilégios e lutem contra a opressão e a humilhação com ambição, conhecimento e solidariedade, valorizando a juventude e os menos privilegiados.

Relembrando o texto de Timothy Ferris, “A Ciência da Liberdade”[7], a governança democrática e os direitos individuais não emergiram de alguma “fermentação amorfa do pensamento humanista e científico”. Pelo contrário, emergiram e estão estritamente relacionadas com o desenvolvimento da própria ciência.

E a ciência diz-vos para relacionarem fortemente as vossas escolhas aos vossos corpos e às vossas mentes.

No entanto, em todo o mundo, há pessoas que são intimidadas, discriminadas e presas, simplesmente por fazerem escolhas sobre si mesmas e as suas vidas. A muitas mulheres é ainda recusada a contracepção. A muitas adolescentes é ainda negada a interrupção voluntária da gravidez. Muitas comunidades LGBTQ+ sofrem assédio contínuo.

Todos nós, independente das nossas origens, devemos garantir que todos os grupos minoritários são respeitados, promovendo a interajuda entre pessoas e combatendo quaisquer formas de humilhação e intimidação.

Sejam ativos! Promovam os direitos básicos para todos. Sejam humanos.

 

Considerações Finais: a oportunidade das redes de aprendizagem e conhecimento

Concluo referindo-me ao economista e prémio Nobel Edmund Phelps[8], que argumentou que as nossas sociedades desenvolveram-se e têm-se valorizado com base num enorme conjunto de conhecimento confiável, impulsionado por comunidades académicas e científicas que tornaram as nossas instituições científicas e de ensino superior socialmente robustas.

Ao desafiarem os lugares comuns, serão capazes de promover a ideia simples, mas poderosa, de aprender.

Levem a sério a vossa oportunidade única de aceder e de se envolverem em redes de aprendizagem em todas as disciplinas e de valorizarem interações entre pessoas e organizações, que influenciam o desenvolvimento económico e as relações políticas[9].

Como referido pelo Nobel português José Saramago[10], “[...] Falemos, pois, nós cidadãos comuns. Com a mesma veemência de quando exigimos os nossos direitos, exigimos responsabilidade sobre os nossos deveres. Talvez o mundo pudesse tornar-se um pouco melhor. [...]”

Mais uma vez, reconheçam os vossos privilégios e aprendam com os erros das gerações passadas para fazer melhor.

Sejam mais ousados, sejam mais gentis, sejam mais responsáveis!

 

[1] Este texto inclui partes da intervenção realizada na Universidade de Carnegie Mellon, nos Estados Unidos da América, a 13 Maio 2022, quando da outorga do Grau de “doutor honorário” na cerimónia de graduação das classes de mestrado e doutoramento de 2020, 2021 e 2022.

[2] Bak-Coleman, J. B., Mark Alfano, Wofram Barfuss, Carl T. Bergstrom, MIgue Centeno, Iain D. Couzin, Jonathan F. Donges, Mirta GAlesic, Andew S Gersick, Jennifer Jacquet, Albert B Kao, Rachel E. Moran, Pawel ROmamnczuk, Daniel I. Rubenstaein, Kaia J Tombak, Jay J Van BAvel and Elke U weber (2021), “Stewardship of global collective behavior”, PNAS, June 21, 2021.

[3] Nowotny, H. (2021), “In AI we Trust: power, Illusion and Control of predictive algorithms”, Polity Books.

[4] Nussbaum, M. (1997) Cultivating Humanity: a classical defense of reform in liberal education, Cambridge: Harvard University Press.

[5] Nowotny, H., Scott, P., and Gibbons, M. (2001) Rethinking science: knowledge in an age of uncertainty, Cambridge: Polity.

[6] Nowotny, H. (2021), “In AI we Trust: power, Illusion and Control of predictive algorithms”, Polity Books

[7] Ferris, T. (2010), “The Science of Liberty: Democracy, Reason, and the Laws of Nature”, New York, Harper/HarperCollins Publishers.

[8] Phelps, E. (2013); “Mass Flourishing: How Grassroots Innovation Created Jobs, Challenge, and Change”, New York, Princeton University Press

[9] Hidalgo, C.A. and Hausmann, R. (2009), ‘The building blocks of economic complexity’, Proceedings of the National Academy of Sciences of the United States of America, vol. 106, no. 26, pp. 10570-10575.