O conhecimento como Futuro, Junho 2015
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O conhecimento como futuro
uma nova agenda política para a ciência, a tecnologia e o ensino superior em Portugal
Junho 2015
Investir no conhecimento é investir no futuro. Esta afirmação de José Mariano Gago, inscrita no Manifesto para a Ciência que há 25 anos sintetizou o enunciado de uma política que orientou o sucesso do desenvolvimento científico e tecnológico registado em Portugal nas últimas décadas, teve impactos assinaláveis na sociedade Portuguesa e, em particular, na qualidade da educação superior. Significa compreender a centralidade das pessoas e da sua formação para garantir a construção de uma sociedade melhor.
O percurso foi longo e com sucessivas alterações de trajeto, mas o aumento do investimento na ciência traduziu-se numa crescente afirmação científica e académica de Portugal e dos portugueses no plano internacional. Foi consequente em matéria de identidade nacional e na demonstração da importância da educação superior para o desenvolvimento económico, a mobilidade social e a realização pessoal, evidenciando a educação superior e o conhecimento científico como fatores de aprofundamento da democracia e de promoção do bem-estar coletivo.
Não obstante, ainda há um longo caminho a percorrer para se cumprir a legítima ambição do acesso generalizado à educação superior; como há muito a fazer para se garantir um sistema científico desenvolvido, social e economicamente relevante e internacionalmente competitivo. Aliás, os últimos anos mostram que estamos aquém de assegurar a irreversibilidade e até a irrevogabilidade do que havia sido conseguido. Como tudo o que é essencial, e desejavelmente inalienável, o direito à educação superior e ao desenvolvimento científico tem de ser cuidado e preservado como pilar da construção de uma sociedade coesa, justa e próspera, que assegure qualidade de vida às pessoas.
O reconhecimento generalizado dos resultados alcançados confirma a indispensabilidade do investimento explícito na formação e no conhecimento científico, suportado num enunciado estratégico claro e no empenho inequívoco do poder público, político e financeiro. Evidencia também a capacidade mobilizadora das pessoas e das instituições públicas e privadas, das empresas, bem como das famílias (sobre as quais tem recaído um importantíssimo esforço financeiro e social) no assumir de um projeto coletivo de confiança e promoção da educação, da ciência e do conhecimento na construção do futuro.
O futuro reside igualmente na nossa capacidade de valorizar esse conhecimento, e requer certamente um esforço adicional de internacionalização e especialização da nossa base de conhecimento, estimulando novas oportunidades nos principais mercados de oferta tecnológica e valorizando o posicionamento estratégico de Portugal no Mundo.
O investimento no conhecimento como projeto coletivo
O investimento no conhecimento representa uma responsabilidade coletiva, que deve ser contínua e persistente, significando a participação cúmplice e exigente da sociedade em geral:
- reivindica políticas e instituições que compreendam que a aposta no conhecimento é um caminho de solidariedade social e de desenvolvimento cultural, social, económico, bem como de afirmação de Portugal e dos portugueses no contexto internacional;
- proclama o combate à ignorância e à desigualdade no acesso à formação e ao conhecimento, exigindo a ação do Estado na promoção de uma sociedade de aprendizagem, na qualificação da população e no estímulo à aprendizagem ao longo da vida;
- reclama condições para mais jovens estudarem e trabalharem em Portugal;
- requer instituições fortes, diversificadas e consolidadas, abertas à interação com a sociedade e à cooperação internacional, promovendo a densificação progressiva da capacidade cultural, científica e tecnológica em todo o território;
- exige instituições de educação superior com espírito científico, que nos seus projetos de ensino e de investigação assumam a transversalidade do conhecimento e da cultura;
- exige especializar e saber mais, com empresas e organismos públicos que promovam a economia baseada no conhecimento, bem como um Estado que facilite “redes de oportunidade” e o acesso a novos mercados;
- pressupõe mecanismos de interação efetiva entre o Estado, o tecido económico-produtivo e as instituições de ciência, tecnologia e ensino superior, apostando na construção social das próprias políticas públicas de apoio à produção e à difusão do conhecimento;
- induz a compreensão pública da ciência através da consciencialização e interesse em tópicos relacionados com o conhecimento das “coisas”, das “ideias” e dos “comportamentos”.
Exige-se, em suma, um esforço adicional para concretizarmos a ideia forte de que Portugal só tem futuro se for um país de ciência, capaz de corresponder à ambição de promover o progresso do conhecimento e aceder às vantagens decorrentes da apropriação económica e social do conhecimento produzido.
Fundamentos para uma nova agenda política: 10 apostas no conhecimento
Um novo rumo para as políticas públicas de produção, difusão e valorização do conhecimento científico e de promoção do ensino superior é essencial para desenvolver um Portugal moderno, mesmo num contexto de crise internacional e retração económica na Europa e no Mundo, distinguindo, sobretudo, os seguintes propósitos:
1.
Mais conhecimento, consagrando a educação superior como direito inalienável de todos os Portugueses, promovendo e assegurando a abertura da base social e etária do ensino superior, adaptando os regimes de acesso ao ensino superior e promovendo a educação permanente, o ensino profissional, a qualificação da população ativa e a requalificação de desempregados.
2.
Mais ciência, promovendo o conhecimento científico como atividade humana essencial, pelo despertar da curiosidade, por práticas de observação e pela formulação de hipóteses, em contextos formais e não formais de educação, assim como reforçando sistematicamente o potencial humano e o emprego científico em todas as áreas do conhecimento, e garantindo um quadro claro de avaliação, financiamento e regulação das instituições de ciência e tecnologia.
3.
Mais competências, valorizando a integração do conhecimento científico na educação, preparando melhor os portugueses para os desafios da sociedade da aprendizagem e da economia baseada no conhecimento, o que exige:
- reforçar a autonomia e modernização das instituições científicas e de ensino superior, promovendo a sua diversificação e espacialização num quadro de referência internacional - o reforço da autonomia dessas instituições é uma condição para a modernidade das nossas sociedades, que tem de ser valorizada pelo Estado;
- estimular a qualidade do sistema de educação superior, consagrando e agilizando a ação independente da Agência de Avaliação e Acreditação do Ensino Superior (A3ES) como garantia da qualidade dos cursos e da informação sobre os mesmos, valorizando a integração coerente de atividades de ensino e investigação e a qualidade dos recursos docentes, sem comprometer a autonomia das instituições;
- facilitar um quadro diversificado e regionalmente distribuído de instituições politécnicas e universitárias de qualidade, mas distintas nos seus projetos educativos e de valorização do conhecimento, reforçando assim o sistema binário no ensino superior português.
4.
Mais confiança no sistema científico e tecnológico nacional, nomeadamente nas instituições de financiamento e avaliação, designadamente na FCT, garantindo :
- processos de avaliação exigentes, cumprindo padrões internacionais e respeitando regras claras e transparentes reconhecidas pela comunidade científica;
- um contexto organizativo versátil e aberto à inovação, capaz de proporcionar a estabilidade institucional e financeira indispensável ao funcionamento das instituições;
- a participação de Portugal nos programas europeus, assim como uma participação ativa na discussão das agendas de financiamento da ciência na Europa;
- a diversificação das fontes de financiamento público à atividade científica, reconhecendo a complementaridade entre financiamento público e privado e a necessidade de continuar a incentivar ambos;
- a renovação contínua da comunidade científica, assegurando a transição geracional e a manutenção do capital científico instalado, no quadro dos estatutos da carreira de investigador e de docente;
- a articulação com o sistema de ensino superior e com o tecido económico e produtivo, reforçando a qualidade dos recursos humanos e o emprego científico;
- o reforço efectivo das infra-estruturas científicas, incluindo a criação de redes de infra-estruturas de utilização comum.
5.
Mais emprego, estimulando a oferta tecnológica e a cooperação internacional, tendo por base a valorização de instituições intermediárias, incluindo centros e empresas de engenharia e tecnologia, e o apoio à sua inserção em redes e projetos internacionais de modo a estimular a exportação de produtos e sistemas de maior valor acrescentado. Tal requer:
- adequar a oferta educativa das instituições de ensino superior às mudanças profundas que vão tendo lugar no mercado de trabalho;
- valorizar a criação de condições favoráveis à empregabilidade sustentável e duradoura dos mais jovens, nomeadamente através da sua capacitação para a adaptação a mutações nos mercados de trabalho em linha com códigos de conduta de referência internacional;
- promover programas de pós-graduação que facilitem a especialização da força de trabalho e estimulem o relacionamento entre as universidades e o tecido produtivo e a subsequente inserção de doutorados em instituições intermediárias e nas empresas;
- incentivar o papel do Estado na valorização do posicionamento no espaço Atlântico e na comunidade dos países de língua oficial portuguesa através do apoio a redes internacionais e projetos com parceiros nos principais mercados de oferta tecnológica (p.ex.: Reino Unido, Alemanha, França, Noruega, Estados Unidos) e com o Brasil, permitindo também intervir na capacitação dos recursos humanos dos países da CPLP;
- alargar as redes de cooperação científica e tecnológica internacional a zonas emergentes, designadamente no leste Europeu, incluindo os países do Báltico, e no Mediterrâneo, incluindo o Magreb.
6.
Mais economia, com empresas mais inovadoras e mais especializadas, estimulando a cultura de inovar e de fazer em Portugal, designadamente:
- implementando as melhores práticas internacionais de apoio a atividades de I&D em pequenas e médias empresas e na valorização económica da investigação científica;
- adotando mecanismos de apoio à qualificação avançada de quadros empresariais e ao emprego qualificado nas empresas, designadamente em associação com projetos e redes de âmbito internacional;
- reforçando a participação de empresas, incluindo novas pequenas e médias empresas, em programas europeus, em associação com as instituições científicas e de ensino superior;
- promovendo o entrosamento entre investidores, grupos científicos e empresas, induzindo estratégias de gestão de propriedade intelectual.
7.
Mais competitividade e mais identidade, continuando a estimular
a internacionalização, valorizando consórcios e parcerias de âmbito estratégico que afirmem Portugal e os portugueses na Europa e no Mundo, e que reforcem a capacidade de
atração de recursos humanos qualificados para Portugal, juntamente com:
- estimulo à integração das diásporas portuguesas no Mundo, designadamente de quadros qualificados, em instituições e empresas em Portugal;
- reforço de comunidades científicas de língua portuguesa e a promoção de indústrias culturais através da língua e do património enquanto veículos de ciência e conhecimento.
8.
Mais interesse público, reforçando o papel do Estado e dos seus laboratórios na produção, validação e valorização do conhecimento e da ciência como bens públicos, designadamente estimulando o papel do Estado na criação de novos mercados e na procura de soluções para problemas societais, assim como a sua prevenção e mitigação. Este aumento do interesse público requer ainda:
- reforçar a participação dos laboratórios do Estado e de instituições públicas em redes europeias, reforçando as suas competências e a sua relação com instituições de ensino superior e de ciência e tecnologia;
- estimular novas contratações de doutorados pelos laboratórios de Estado e pela administração pública, de um modo que estimule o empenho na qualificação da mão de obra e a valorização da formação avançada;
- reforçar procedimentos regulares de avaliação e acompanhamento externos dos laboratórios do Estado, de acordo com padrões internacionais, e que garantam o cumprimento da sua missão.
9.
Mais responsabilidade social, com mais conhecimento, facilitando um quadro renovado de responsabilidade das nossas instituições e dos mais qualificados, sobretudo:
- valorizando o papel do Estado, das instituições educativas, das empresas e das organizações da sociedade civil na divulgação científica e na democratização da literacia científica, que pode e deve transformar-se em fator de integração e de coesão e mobilidade sociais;
- promovendo formas de aprendizagem baseada em comunidades, facilitando a integração de estudantes e investigadores na sociedade, incluindo nos contextos mais vulneráveis;
- criando uma consciência social pública de que a opinião e a tomada de decisão se devem construir a partir de um corpo de conhecimentos científicos consolidado.
10.
Mais inclusão regional, com mais integração do conhecimento nas estratégias de desenvolvimento regional e local, valorizando a rede atual de instituições científicas e de ensino superior, e estimulando um programa de apoio a unidades de tecnologia aplicada em centros tecnológicos e em instituições de ensino superior, incluindo institutos politécnicos, em estreita associação com parceiros locais.
A definição e concretização partilhada de uma nova agenda política de promoção do conhecimento deve orientar as políticas públicas em Portugal na próxima década, juntamente com o estímulo ao emprego jovem, a atração de recursos humanos qualificados e a dinamização de comunidades de inovação envolvendo instituições de ciência e de ensino superior, empregadores e atores sociais e económicos. A aposta no conhecimento é, em suma, o compromisso para o futuro.
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